Fernando Souza Nicolau *

Nosso cérebro é modificado pelas nossas atividades culturais — sejam elas ler, estudar música ou aprender uma nova língua. Todos temos o que pode ser chamado de “cérebro culturalmente modificado”, e as culturas, à medida que evoluem, levam continuamente a novas mudanças no cérebro. (DOIDGE, 2012, p. 230).

Momentos antológicos durante a vida estudantil não são raros. Brilhantes professores estão por toda parte e a mágica desse encontro aluno-mestre possui energia para iluminar toda uma vida. Também não são raras, as lembranças dos conteúdos provocadas pela técnica “Mnemônica Musical”, que os professores intuitivamente utilizavam a partir da composição de paródias geniais que abarcavam um determinado conteúdo da disciplina. A repetição de melodias de canções populares utilizadas para fixar o conteúdo na memória de longo prazo é um fenômeno fundamentado pelas descobertas de Donald Hebb, que demostrou o reforço das ligações sinápticas nas redes neurais associadas quando acontecem disparos neuronais repetitivos (HEBB, 1949).

O senso comum aponta a prática musical na educação como uma experiência lúdica, integradora e relaxante. No entanto, existem outras variáveis em jogo quando falamos da neurociência da música. O professor da UFRJ, Roberto Lent, em seu livro “Cem Milhões de Neurônios” (LENT, 2004) expõe toda a complexidade relacionada com a consolidação de memória ligada aos estímulos. Esse caldeirão de possibilidades de experiências sensoriais e afetivas, proporcionado pelas vivências musicais, estimula e provoca associações robustas entre memórias, emoções e redes neurais. A música aumenta as possibilidades de acesso às respectivas memórias, além de agir como potencializadora da capacidade cognitiva e da criatividade, bem como facilitadora da abstração e do aumento da velocidade de processamento cerebral.

Neuroplasticidade

O neurocientista Michael Merzenich descobriu que os mapas cerebrais, relacionados com a interpretação dos estímulos sensoriais, cognição e emoções, não são imutáveis (DOIDGE, 2012). Ele alega que a estruturação funcional do cérebro, naturalmente, altera-se de acordo com o que nos acontece, logo fisiologicamente há mudanças que são provocadas e que podem provocar o aumento de nossa capacidade de aprender. “Para Merzenich o cérebro é como uma criatura viva dotada de apetite que pode crescer e se transformar com nutrição de exercícios adequados” (DOIDGE, 2012, p. 47). Já o neurocientista, especialista em reabilitação e desenvolvimento humano, Norman Doidge, em sua obra “O Cerebro que se Transforma”, cita o uso técnico do aprendizado da música e o desenvolvimento da percepção musical como possíveis ferramentas para a obtensão de uma reorganização neural e até mesmo a construção de novas vias neurais, através do fenômeno da neuroplasticidade (DOIDGE, 2012).

A neuroplasticidade, portanto, é a capacidade do cérebro de mudar e se adaptar ao longo da vida, reestruturando suas conexões sinápticas em resposta a novas experiências, aprendizados e danos. É uma das bases da neurociência moderna e foi amplamente estudada por pesquisadores como Carla Shatz, Michael Merzenich e Eric Kandel, dentre outros.

Musicoterapia

A musicoterapia é um campo da área da saúde que propõe uma abordagem terapêutica, utilizando música e seus elementos (ritmo, melodia, harmonia etc.) como ferramentas para lograr objetivos terapêuticos específicos. A abordagem educacional da musicoterapia está centrada na compreensão das propriedades terapêuticas da música de maneira clínica, estruturada e pragmática (BRUSCIA, 2000).

Musicoterapia na Educação no Desenvolvimento humano

Um dos principais benefícios da musicoterapia na educação é o aumento da atenção, concentração e memória dos estudantes. De acordo com o trabalho “Music Therapy in the Classroom: Benefits and Strategies for Teachers” (MOORE, 2012), a música pode ser usada como uma ferramenta para melhorar a concentração e a memória dos alunos, ajudando-os a assimilar e retê-los melhor as informações aprendidas.

O desenvolvimento de habilidades emocionais e sociais dos estudantes podem ser facilitados pela prática da musicoterapia, de acordo com o trabalho “The Therapeutic Benefits of Music in the Classroom” (STRANDLIE, 2010). Nesse sentido, a música pode ajudar os estudantes a compreender e expressar suas emoções, aumentando sua capacidade de lidar com frustrações e tensões da vida estudantil.

A motivação provocada pelas práticas musicais também pode ser utilizada como estímulo para estudantes. As vivências musicais tem o poder de recompensar seus participantes durante a prática instrumental em conjunto. De acordo com uma pesquisa de Salimpoor e colaboradores (2011), a música pode estimular a liberação de dopamina, o que é associado ao sentimento de prazer e recompensa. A ocitocina também foi mencionada como um possível neurotransmissor envolvido na formação de vínculos sociais e emoções positivas durante a experiência musical (DUNBAR et al., 2012), provocando sensações de bem estar e prazer (STRÜBER, 2013).

Na esfera social, a musicoterapia pode participar do processo de formação da identidade do grupo, valorização da diversidade e percepção, ampliando o papel de cada indivíduo na coesão e resultados do conjunto musical. Colaboram para isso, os jogos musicais que trazem ao ambiente escolar a possibilidade do aprendizado das trocas de turno, improvisação, sincronismo e entrosamento do grupo.

As vivências de práticas musicais em conjunto podem ser utilizadas para deflagrar o desenvolvimento de habilidades sociais entre estudantes, como por exemplo a cooperação, o trabalho em equipe e a comunicação. Além disso, de acordo com o trabalho “The Power of Music in Education” (BRUCE, 2011), a música pode ser usada como uma ferramenta pedagógica para ajudar os alunos a compreender conceitos abstratos, melhorar suas habilidades de leitura, escrita e matemática, e para estimular a imaginação e a criatividade.

Musicoterapia e Saúde Mental na Educação

Todos os casos citados no texto até agora apostam nas potencialidades da música, porém ainda podemos pensar na aplicação da musicoterapia como ferramenta terapêutica transdisciplinar para o enfrentamento de patologias como a ansiedade e o pânico; por exemplo, no auxílio à estudantes que sofrem com o medo de exposição em seminários, medo do “branco” e ansiedade durante provas, concursos ou provas orais. De acordo com o trabalho “Music Therapy and Performance Anxiety” (TAYLOR, 2009), objetivos terapêuticos podem ser traçados, considerando que a “musicoterapia pode ser uma maneira eficaz de ajudar os alunos a superar o medo e a ansiedade em relação a aprender e se apresentar em público.” (TAYLOR, 2009).

Musicoterapia na Educação e a Expressão do Inconsciente

Lia Rejane Barcellos, madrinha da Graduação de Musicoterapia na UFRJ, em sua dissertação de doutorado “A Música como Metáfora em Musicoterapia”  (BARCELLOS, 2009), identifica um outro viés importante da vivência musical, que faz desvelar e revelar o inconsciente através das metáforas capturadas a partir da música em Musicoterapia:

Assim, pode-se entender que os sentimentos, as emoções e tudo mais que se passa no interior do homem tem origem ou nasce de um estímulo nervoso, que será transformado em imagem, como uma primeira metáfora, e que poderá ser transformado em um som, seja ele palavra ou música, constituindo-se como uma segunda metáfora (BARCELLOS 2009). A investigação científica dentro do campo da Musicoterapia é vasta e, com o avanço das neurociências, está cada vez mais amparada em instrumentos avaliativos, como exames de imagem e instrumentos tecnológicos em muitas universidades e centros de estudos em variados países.

Os primeiros cursos de graduação e de pós-graduação Stricto Sensu e Lato Sensu surgiram após a composição dos primeiros currículos de bacharelado em Musicoterapia na Universidade do Kansas, no Texas (1946), e na Guildhall School of Music and Drama, em Londres (1968). No Brasil, contamos com investigação científica em Musicoterapia um universidades como a UNiversidade EStadual do Paraná (UNESPAR), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Goiás (UFG), Universidade Federal do Rio de JAneiro (UFRJ), dentre outras.

Referências:

BARCELLOS, Lia Rejane Mendes. A música como metáfora em musicoterapia. 2009. 219f. Tese (Doutorado em Música) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2003-), Rio de Janeiro, 2009, Rio de Janeiro. Disponível em: http://web02.unirio.br/sophia_web/index.php?codigo_sophia=64977. Acesso em: 13 abr. 2018

BRUCE, T. The power of music in education. Oxford: Routledge, 2011.

BRUSCIA, Kenneth E., Definindo Musicoterapia. 2a. ed. ENELIVROS, Pag. 183-200, 2000.

DOIDGE, Norman, O Cérebro que se Transforma – Como a neurociência pode curar pessoas. 3a. ed. São Paulo: Ed.Record, 2012.

HEBB, D. O. The Organization of Behavior. New York: Wiley, 1949.

LENT, Roberto. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociência. Atheneu, 2004.

MOORE, K. S. Music therapy in the classroom: Benefits and strategies for teachers. Journal of Music Therapy, 49(2), 2012, 159-173.

SALIMPOOR, V. N., Benovoy, M., Larcher, K., Dagher, A., & Zatorre, R. J. Anatomically distinct dopamine release during anticipation and experience of peak emotion to music. Nature Neuroscience, 14(2), 2011, 257-262. Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3067603/

STRANDLIE, J. The therapeutic benefits of music in the classroom. Journal of Music Therapy, 47(3), 2010, 220-230. Dispomnível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3104238/

STRÜBER, D., & Kotz, S. Music, emotions, and the autonomic nervous system: A review. Frontiers in Psychology, 4, 607, 2013. Disponível em (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3695568/

TAYLOR, D. Music therapy and performance anxiety. Journal of Music Therapy, 46(2), 2009, p. 125-138.


Sobre o autor:

Fernando Souza Nicolau – É discente do bacharelado em Musicoterapia, do Instituto de Psiquiatria, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e atua aluno extensionista do projeto Redeneuro – Rede de Estudos em Neuroeducação, no C@MT_techMUS. É Monitor da Disciplina Construção de Instrumentos de Musicoterapia. Tem interesse nas áreas de psicologia, educação e neurociências. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7651504507958859