Por Isabela Goldstein*

Você já se perguntou por que dormimos e o que acontece durante nosso sono? Como a memória está relacionada com uma boa noite de sono? Hoje, vamos discutir as propriedades da memória, do sono e como esses sistemas estão relacionados ao aprendizado.

O sono tem um impacto significativo no aprendizado do aluno, afetando diversas áreas cognitivas e psicológicas:

  1. Consolidação da Memória: Durante o sono, especialmente nas fases de sono profundo e REM (Movimento Rápido dos Olhos), o cérebro consolida as informações aprendidas durante o dia. Isso significa que o sono é essencial para transformar memórias de curto prazo em memórias de longo prazo, um processo fundamental para o aprendizado efetivo.
  2. Atenção e Concentração: A falta de sono prejudica a capacidade de atenção e concentração dos alunos. Quando estão sonolentos, eles têm dificuldade em focar nas tarefas e absorver informações, o que pode diminuir seu desempenho acadêmico.
  3. Função Executiva: O sono adequado é importante para as funções executivas do cérebro, como planejamento, tomada de decisão, flexibilidade cognitiva, e autocontrole. Quando os alunos estão descansados, eles tendem a tomar melhores decisões e têm maior controle sobre seus comportamentos impulsivos.
  4. Processamento Cognitivo: A privação do sono pode levar a uma diminuição na velocidade de processamento cognitivo e na resolução de problemas. Isso significa que os alunos podem demorar mais para entender conceitos novos ou resolver problemas complexos quando estão cansados.
  5. Estado de Ânimo e Motivação: A falta de sono afeta o humor, podendo levar a sentimentos de irritabilidade ou depressão. Alunos que não dormem o suficiente podem sentir-se menos motivados e mais propensos a ter uma visão negativa do aprendizado e da escola.
  6. Saúde Física e Mental: O sono insuficiente pode ter efeitos negativos sobre a saúde física e mental dos alunos, afetando seu bem-estar geral e, consequentemente, sua capacidade de aprender e se desenvolver adequadamente.
  7. Rendimento Acadêmico: Estudos mostram que alunos que dormem bem têm um desempenho acadêmico melhor. Eles tendem a obter notas mais altas e são menos propensos a enfrentar problemas comportamentais ou dificuldades de aprendizagem.

Garantir um sono de qualidade é fundamental para o desenvolvimento educacional e cognitivo dos estudantes, mas há outros aspectos implicado, como especificidades sobre diferentes tipos de memória, que precisam estar claras.

Aprendizagem e memória

A priori, deve-se destacar que o aprendizado é a consolidação das memórias (ADÃO, 2013). Assim sendo, para que haja o aprendizado é imprescindível o processo de formação de memórias. Deste modo, é necessário que ocorra um estímulo externo para excitar um grupo de neurônios a formar sinapses e, por conseguinte, formar circuitos eletroquímicos que, após o fim do estímulo, são agrupados formando a memória propriamente dita.

Destacam-se dois tipos de memórias: a memória de trabalho e a memória declarativa. Do ponto de vista neuroanatômico, a memória de trabalho ocorre no córtex pré-frontal e a memória declarativa nas regiões do hipocampo e do córtex entorrinal, ou seja, em diferentes áreas do cérebro. Cabe ressaltar, entretanto, que para haver o aprendizado propriamente dito é necessária a aquisição das memórias (LENT, 2010), que envolve outras áreas do cérebro. Estudos revelam que as estruturas temporais mediais, córtex frontal e o diencéfalo são importantes para a formação e consolidação de memórias (BEAR, BARRY & MICHAEL, 2008).

A memória de trabalho é breve, ou seja, de curta duração. Podemos ressaltar a sua atuação quando perguntamos o número do telefone de alguém, pois lembraremos desta informação o tempo suficiente para anotarmos em algum lugar, mas depois ela será esquecida. Por isso é também chamada de memória de curta duração. Em contrapartida, a memória declarativa registra os fatos, sendo uma memória de longa duração. Tanto a de trabalho quanto a declarativa se dividem em duas subcategorias: memórias episódicas e memórias semânticas (IZQUIERDO, 2014).

As memórias episódicas estão relacionadas com as vivências pessoais. São aquelas lembranças que podem ser evocadas como o episódio de uma experiência pessoal e que podem ser entendidas, por exemplo, como eventos biográficos: um fato ocorrido em um determinado momento e local, as emoções associadas, quem estava com você, o que estavam fazendo etc. Já as memórias semânticas estão relacionadas a conhecimentos gerais, em que a origem da informação não é explícita, por exemplo, lembrar-se que 2 + 2 é igual a 4. Ambas podem ser divididas em memória implícitas ou explícitas. As memórias implícitas são aquelas adquiridas por meio de habilidades percepto-motoras ou cognitivas, com a exposição repetida a um estímulo ou a uma atividade (IZQUIERDO, 2014). Trata-se, portanto, de um tipo de memória em que as experiências passadas – como a repetição em um treinamento esportivo – auxiliam o desempenho de uma tarefa, sem que haja consciência por parte do indivíduo de como estas experiências anteriores estão melhorando o seu aprendizado (DANION et al., 2001).

Sono e memória

Durante o dia, ocorre o ciclo circadiano, que compreende dois períodos: a vigília e o sono. O tempo de vigília se caracteriza como o período em que estamos acordados, ou seja, inicia-se a partir do momento que despertamos, quando o hormônio cortisol está mais elevado. Nesse sentido, a manutenção do período de vigília ocorre por meio de hormônios e fatores externos como a luz solar (LENT, 2010). Já o sono é determinado a partir do momento que os níveis de hormônios como o cortisol se alteram e a pessoa adormece. Ressalta-se que a atividade cerebral permanece presente em ambos períodos, entretanto cada um possui sua particularidade.

Durante o sono, são relatadas, ainda, duas fases: o sono não-REM e o sono REM. O momento do sono não-REM, conhecido também como sono de ondas lentas, é relatado como o “período de descanso do cérebro” devido às suas funções fisiológicas, citadas no próximo parágrafo. O sono Rapid Eyes Movement (REM), conhecido como o sono de movimento rápido dos olhos ou sono paradoxal (LENT, 2010),[1]  é caracterizado pelo movimento dos olhos e pela similaridade fisiológica da atividade cerebral com o período de vigília (BEAR, BARRY, MICHAEL, 2008).

No período do sono não-REM, a tensão muscular se encontra reduzida (não há movimento) e ocorre a diminuição da respiração e frequência cardíaca. Ao que tudo indica, o encéfalo repousa durante a fase do sono não-REM (BEAR, BARRY, MICHAEL, 2008). No sono REM, o encéfalo apresenta alta taxa de consumo de oxigênio e o tônus muscular diminui, entretanto os músculos que controlam os olhos e os músculos do ouvido interno estão ativos (MACHADO, 2014).

Entende-se que durante a noite de sono, ocorre a transição dos períodos de sono, na qual há o período REM e outro período há o não-REM. Entretanto, há uma particularidade do período do sono não-REM, em que eleé caracterizadopor quatro estágios. Os estágios podem ser explicados como a progressão do tempo e da profundidade do sono. Por exemplo, o estágio 1 é mais superficial e rápido do que comparado com o 2, 3 e 4. Nesse sentido, o estágio mais prolongado e pesado é o estágio 4, nota-se que após o estágio 4, o sono retorna ao estágio 1 e 2 para iniciar o período REM (BEAR, BARRY, MICHAEL, 2008).

Vale destacar, em relação aos aspectos neuroanatômicos, que no período de sono REM ocorrem atividades nas regiões tegmento pontino, núcleos talâmicos, córtex occipital, córtex pré-frontal médio basais, e grupos límbicos associados, incluindo a amígdala, hipocampo e o córtex cingulado anterior (WALKER, 2009). Em comparação, o sono não-REM possui diminuição de atividades nas regiões do tronco cerebral rostral, os núcleos do tálamo, gânglios basais, hipotálamo, córtex pré-frontal, e regiões do lobo temporal medial (WALKER, 2009). Por conseguinte, acredita-se que a ativação dessas áreas no sono REM possibilitaria a aquisição e consolidação das memórias.

Além disso, é na fase REM que ocorrem os sonhos. Pesquisadores sugerem que os sonhos e o sono REM possuem uma conexão para a consolidação de memórias e que, após a aprendizagem, tem-se um aumento da duração do sono REM (BEAR, BARRY, MICHAEL, 2008).

Isto leva à compreensão de que a privação do sono pode resultar:

  • no menor desempenho da consolidação de memórias (WALKER, 2009);
  • em uma menor atividade hipocampal após uma noite de privação de sono que gera a redução da retenção do aprendizado (EICHENBAUM, 2004);
  • em um impacto sobre a memória do hipocampo, mas o resultado positivo ou negativo possui correlação com a atividade em diferentes regiões do lobo pré-frontal (WALKER, 2009);
  • e na menor capacidade de desempenho em razão da redução do desempenho de codificação da memória  (HARRISON & HORNE, 2000).

O assunto é vasto e merece ser aprofundado, tendo grande importância para a área de ensino e educação, entre outras. A relação entre a privação de sono e a consolidação das memórias para o aprendizado, por exemplo, será objeto de outra matéria aqui na Redeneuro.

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Recomendações para aprofundamento e revisão do assunto

Artigo:

Marquioli, Vanessa. A INFLUÊNCIA DO SONO NA MEMÓRIA E EMOÇÃO. Belo Horizonte: UFMG, 2011. http://hdl.handle.net/1843/BUOS-99WF2K

Vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=dqONk48l5vY

Referências bibliográficas

ADÃO, Anabel.  A ligação entre memória, emoção e aprendizagem. In: XI Congresso Nacional de Educação-Educare [Internet]. Curitiba: Pontifícia Universidade Católica do Paraná. 2013.

DANION, Jean-Marie; et al. Intact Implicit learning in schizophrenia. American Journal of Psychiatry, Volume 158, Issue 6, p. 944- 948, 2001.DOI:10.1176/appi.ajp.158.6.944

EICHENBAUM, Howard. Hippocampus: cognitive processes and neural representations that underlie declarative memory. Neuron by cell press, volume  44, p. 109–120, 2004.  DOI:10.1016/j.neuron.2004.08.028

HARRISON, Yvonne.; HORNE, James A. Sleep loss and temporal memory. The Quarterly Journal of Experimental Psychology Section A: Human Experimental Psychology, volume 53, p. 271–279, 2000. DOI: 10.1080/713755870

IZQUIERDO, IVÁN. Memória; 2 ed. Porto  Alegre: Artmed, 2014

LENT, R. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociência. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2010.

MACHADO, Angelo; HAERTEL, Lucia. Neuroanatomia funcional.  3. ed. São Paulo:  Atheneu, 2014.

BEAR, Mark; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Neurociências: desvendando o sistema nervoso– 3. ed. Artmed, 2008

WALKER, Matthew P. The Role of Sleep in Cognition and Emotion. In: The Year in Cognitive Neuroscience 2009. Annals of the New York Academy of Sciences 2009, p. 168–197. Nova Iorque, 2009. DOI:10.1111/j.1749-6632.2009.04416.x


AUTORA

Isabela Goldstein é graduanda de Fisioterapia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Membro fundadora e diretora de eventos da Liga Acadêmica de Fisioterapia em Oncologia da UFRJ. Estagia no projeto de extensão REDENEURO, como bolsista PROFAEX, focando na produção de conteúdo digital nas áreas de neurociências e educação. Atualmente, ela contribui para o projeto Ciências e Cognição, desenvolvendo materiais educativos sobre neurociência básica e ações de divulgação científica para estudantes do ensino fundamental e médio. Em 2022, Isabela realizou monitoria voluntária em Anatomia musculoesquelética. Em 2023, iniciou como extensionista no Curso de Aperfeiçoamento Teórico-prático em Fisioterapia Neuropediátrica Básica, no Hospital Escola São Francisco de Assis, da UFRJ.


Fonte foto: Site freepik (https://br.freepik.com/fotos-gratis/homem-deitado-na-cama-desligando-um-despertador-de-manha-as-7-da-manha-homem-atraente-dormindo-em-seu-quarto-homem-irritado-sendo-despertado-por-um-despertador-em-seu-quarto_1189447.htm#page=2&query=sono&position=2&from_view=search&track=sph )