Fernando Souza Nicolau *

“O cérebro é uma máquina incrivelmente flexível e adaptável que é capaz de se reorganizar e se adaptar a novos desafios.” Suzana Herculano-Houzel

Imagine a possibilidade de que uma simples crença do professor, ou seja, a expectativa sobre o talento e a inteligência de um aluno, fosse suficientemente forte a ponto de alterar o rendimento escolar desse aluno?  Realmente, ficaria difícil conceber essa ideia, especialmente em pleno Século XXI, em tempos de inundações de teorias da conspiração, pós-verdade e distorções da ciência. No entanto, há indícios científicos de que a expectativa do professor pode alterar, significativamente, o resultado escolar dos alunos, assim como a expectativa do terapeuta pode mudar o prognóstico do paciente.

Esse fenômeno psicológico incrível foi estudado cientificamente por Robert Rosenthal e Lenore Jacobson, em 1968. Nomeado como “Profecia Autorrealizadora” ou “Efeito Pigmaleão”, o fenômeno foi estudado em uma escola primária, chamada Oak School, na Califórnia. O termo cunhado pelo sociólogo Robert K. Merton, em 1948, fazia referência ao mito grego de Pigmaleão, que falava de um artista de mesmo nome que esculpiu uma estátua de marfim tão bela que se apaixonou perdidamente por sua obra, pedindo à deusa Afrodite que a trouxesse à vida. Refere, grosso modo, ao entendimento de que quanto maiores são as expectativas que se têm em relação a uma pessoa, melhor seria o seu desempenho. Em outras palavras, nossas expectativas e percepções de realidade afetam o modo como nos relacionamos com aquilo que entendemos ser nossa realidade.

Nesse sentido, as expectativas dos professores poderiam afetar a percepção e construção da noção de realidade dos alunos. Assim como Pygmalion moldou a realidade de sua estátua com suas próprias mãos a partir de suas expectativas, a ação perceptual e as expectativas dos professores poderiam afetar seus alunos. A partir daí, o termo “Efeito Pigmaleão” passou a ser usado como sinônimo do conceito de “Profecia Autorrealizadora”.

Buscando uma interlocução com as neurociências, considerando o sistema nervoso como uma “máquina” de processamento de dados e construção de pré-visões sobre realidades potenciais, podemos entender melhor a questão da mudança de rendimento como um alinhamento de expectativas entre professor e aluno. O neurocientista Karl Friston, propôs a teoria da “minimização de surpresas” (free energy principle), a qual postula que o cérebro está sempre tentando minimizar a diferença entre suas expectativas e a realidade percebida (Friston, 2010, p. 127-138).

Vamos supor ainda que o aluno tenha uma série de memórias de fracassos escolares. Não podemos perder de vista que o cérebro em sua complexidade reconstrói suas memórias toda vez que são acessadas, logo não temos um disco rígido com memórias eternamente gravadas. Os estudos neurocientíficos têm mostrado que a memória trabalha baseada na reconstrução de informações armazenadas (Schacter, 1996). Esse fato tanto colabora para a geração de memórias falsas (Loftus & Pickrell, 1995, p.720-725) quanto para a alteração, ressignificação ou enfraquecimento de memórias mais fidedignas. Tudo pode ser alterado, inclusive a expectativa do próprio aluno sobre si mesmo. Exercícios que incentivem a reconstrução da memória de forma consciente e crítica são essenciais e podem ser incentivados por professores (Godden & Baddeley, 1975).

“A expectativa de melhora pode afetar a conectividade entre diferentes regiões do cérebro, o que pode levar a uma melhora na cognição e na função executiva. Estudos de neuroimagem sugerem que a resposta placebo envolve a ativação de circuitos cerebrais envolvidos no processamento de informações, como o córtex pré-frontal dorsolateral e o córtex parietal inferior.” (Kaptchuk et al., 2010)

Entrando agora um pouco mais na ideia do placebo aplicado à educação, precisamos esclarecer que o senso comum formou uma ideia bastante equivocada sobre o “Efeito Placebo”. Quando falamos de ciência, estamos trabalhando sempre com probabilidades e nunca como verdades engessadas. Inclusive existem estudos mostrando um eficácia relevante do placebo, no entanto ainda não foram determinadas todas as variáveis que estão em jogo durante a pesquisa (Enck et al., 2017). Os resultados podem variar bastante e a expectativa altera o resultado. Inclusive, existem estudos atribuindo ao placebo alterações do funcionamento do cérebro, por exemplo, liberação de opióides endógenos, como a endorfina, que podem levar a uma redução do desconforto e a ativação de circuitos cerebrais envolvidos na modulação da dor, como o córtex cingulado anterior, o córtex pré-frontal e o núcleo accumbens. (Petrovic et al., 2002).

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A expectativa em sala de aula é relevante, mas se além disso, a Escola pudesse treinar seus alunos a partir de técnicas de estudo calcadas nas descobertas contemporâneos das neurociências, poderíamos ter avanços mais contundentes no aprendizado do aluno, tendo visto que muitas vezes as condições biopsicológicas do ambiente escolar e da relação professor-aluno não são muito explorados. Para promover ativamente uma boa consolidação da memória e manter os conhecimentos adquiridos armazenados na memória de longo prazo, necessitamos de algumas mudanças de hábito. Pensando a memória como um requisito para a aprendizagem, uma estratégia para melhorar a memória, poderia ser um incremento diretamente proporcional no processo de aprendizagem dos alunos.

De acordo com a teoria da curva do esquecimento, de Ebbinghaus (1913), até 40% do que aprendemos pode ser esquecido em apenas 24 horas. Após um mês, a perda de informações armazenadas pode ser ainda mais desesperadora. Os neurocientistas Báez-Montañez e colaboradores (2015) revisaram diversas teorias e modelos sobre a “temporalidade da memória” e apresentaram estudos sobre a degradação temporal da memória. Dessa maneira, o educador precisa considerar a “temporalidade” fisiológica da memória e sistematizar revisões e técnicas úteis para uma consolidação de memória mais duradoura (Ebbinghaus, 1913).  As técnicas comprovadamente eficazes, que investem a favor da “temporalidade” da memória, são muito simples e se detém em revisões espaçadas. Inicialmente, revisar o conteúdo depois de algumas horas após a aula, preferencialmente antes de dormir, e alguns dias depois, por exemplo. O “Efeito do espaçamento”, “Efeito da distribuição espaçada” ou “Spacing Effect” pode se tornar um antídoto para a temporalidade da memória (Ebbinghaus, 1913). Esse fenômeno estudado pela psicologia da aprendizagem que descreve o fato de que a distribuição do aprendizado ao longo do tempo, com intervalos regulares entre as sessões de estudo (reforço), é mais eficaz para a consolidação da memória a longo prazo do que a concentração de estudo em uma única sessão apesar de antigo, ainda não foi negado pelos estudos mais contemporâneos.

Também são indicadas para uma boa consolidação da memória as elaborações e associações interdisciplinares, criando conexões com conhecimentos anteriores, mapas mentais e fichamentos. Além disso, é importante ter clareza de que um bom estado emocional e um ambiente favorável ao estudo é essencial. Isso porque qualquer disparo do Sistema Nervoso Autônomo Simpático é prejudicial para o aprendizado; portanto estados como ansiedade, medo, tensões, opressões, pressões por rendimento, assedio moral e outros agem negativamente na consolidação da memória, prejudicando o processo cognitivo. Quando o Sistema Nervoso Simpático é ativado há liberação de hormônios, como o cortisol e a adrenalina, que podem ter efeitos negativos na função cognitiva e na memória de curto prazo (Kuhlmann et al., 2006). Como um recurso auxiliar, a escola ainda pode promover ações no sentido de conscientizar pais, alunos e professores de que, comprovadamente, uma boa higiene do sono é imperativa para facilitar e promover uma boa consolidação de memórias (Payne et al., 2012).

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Outro cuidado relevante para a escola está relacionado com a “Teoria da Memória de Trabalho 7×2” (Miller, 1956), que sugere que a capacidade de armazenar informações de curto prazo é limitada, tornando a multitarefa prejudicial à memória (Ophir et al., 2009). Deste modo, seria necessário ter em conta que armazenamos, simultaneamente, duas e no máximo três informações por vez, em um processo de preenchimento em conjunto de sete informações. Por exemplo, para memorizar uma lista de compras formada por “leite”, “pão”, “queijo”, “ovos”, “arroz”, “feijão” e “carne”, podemos para otimizar a memorização agrupar esses itens em “leite e pão”, “queijo e ovos”, “arroz e feijão” e “carne”, formando quatro “pedaços” de informação que ocupariam quatro casas dessa matriz 7×2.

Partindo agora para uma técnica eficaz para a fixação da memória, o recomendado seria a revisitação da matéria estudada em períodos regulares, a fim de consolidar a memória a longo prazo (Ebbinghaus, 1885). Existem outras técnicas mnemônicas, como a associação de imagens e palavras, que também podem ser úteis para a fixação de informações (Bower, 1970).  Os estudos das neurociências também têm mostrado que as emoções possuem um papel importante na fixação de memórias (Le Doux, 1996). Quando uma informação é associada a uma emoção forte, é mais provável que seja lembrada com maior facilidade (Lang, 1979).  Nesse sentido, uma estratégia eficaz de organização de informações é a técnica de categorização, na qual o material é dividido em categorias relacionadas e memorizado em blocos (Paivio, 1971). De acordo com a “Teoria da Dualidade de Processamento”, de Paivio (1971), existem dois sistemas de processamento de informações: o sistema verbal e o sistema imagético. Quando as informações são categorizadas e associadas a imagens mentais, o sistema imagético é ativado e a memória é fortalecida.

Abaixo estão algumas ideias que o professor pode incentivar para que seus alunos tenham uma boa higiene do sono, gerando melhores condições para a consolidação de memórias:

  • Mantenha uma rotina regular de sono: ir para a cama e acordar no mesmo horário todos os dias, preferencialmente incluindo os fins de semana;
  • Crie um ambiente de sono tranquilo: mantenha o quarto escuro, silencioso e fresco, sem televisão ligada ou celular próximo, e use uma cama confortável;
  • Limite a exposição à luz azul da tela: evite usar dispositivos eletrônicos, como celulares e computadores, na última hora antes de dormir, ou use protetores de luz azul;
  • Exercite-se regularmente: fazer exercícios físicos regularmente pode ajudar a melhorar a qualidade do sono, mas evite exercícios intensos antes de dormir;
  • Evite usar estimulantes: evitar consumir cafeína, álcool e nicotina antes de dormir;
  • Alimentação saudável: manter uma dieta saudável e equilibrada e evitar comer grandes refeições antes de dormir melhoram a qualidade do sono.

Referências

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bre o autor:

Fernando Souza Nicolau – É discente do bacharelado em Musicoterapia, do Instituto de Psiquiatria, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e atua aluno extensionista do projeto Redeneuro – Rede de Estudos em Neuroeducação, no C@MT_techMUS. É Monitor da Disciplina Construção de Instrumentos de Musicoterapia. Tem interesse nas áreas de psicologia, educação e neurociências. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7651504507958859