Nicole de Azevedo Bonavita

O constante uso de dispositivos digitais pode afetar o padrão atitudinal e comportamental dos estudantes, afirma Penny Thompson (THOMPSON 2013). Isto se daria através da imersão cada vez maior desses nas mídias digitais, o que possibilitaria um acesso mais rápido a uma gama de informações, contribuindo para o desenvolvimento de inclinações orientadas por: velocidade de informações, processamento não linear, multitarefa e aprendizado social.

É possível dizer que tais características não só afetam o comportamento do aprendiz, mas também aspectos cognitivos da aprendizagem, pelo grande volume de dados recebidos em forma de texto, imagens, áudios e vídeos. Toda essa carga de informações multimodais é capaz de fazer com que os circuitos envolvidos e/ou recrutados quando da formação de memórias de curto prazo fiquem sobrecarregados, levando a um estresse cognitivo, dificultando o acesso e trabalho junto às informações já consolidadas (memórias de longo prazo) e atrapalhando o processo de construção do conhecimento (SILVA, 2017). Assim, o acesso à informação não é garantia de aprendizagem, do armazenamento das informações adquiridas e, muito menos ainda da construção de novos conhecimentos. Para que as informações a que somos expostos sejam armazenadas (memórias de curta ou longa duração) e seletivamente trabalhadas é essencial processá-las através da atuação do sistema atencional (atuando como filtro e direcionador). Entretanto, para que isto aconteça, é necessário algo essencial, o interesse do aprendiz pela tarefa em questão (SANTOS, 2018).

Encontrar um/a formato/estratégia de aprendizagem que estimule a motivação do aluno em sala de aula tem sido uma das preocupações e grandes desafios para o professor contemporâneo (LIU, 2016), tendo em vista que processos como aquisição, armazenagem e processamento das informações dependem da motivação de cada aprendiz (BZUNECK, 2009). Dessa forma, o uso de Tecnologias Adaptativas (TAs) pode contribuir como uma possível ferramenta a serviço da aprendizagem estimulando a motivação, através do suprimento de três necessidades destacadas pela Teoria da Autodeterminação (RYAN & DECI, 2012), quais sejam: autonomia psicológica, competência pessoal e vínculo social. Nesse sentido, o cumprimento destas necessidades é capaz de gerar a chamada Motivação Intrínseca, uma modalidade de motivação que ocorre quando os objetivos de aprendizagem estipulados são considerados significativos para o sujeito, sendo que a ação em si é percebida como recompensadora, tendendo a gerar satisfação e bem-estar (DECI & RYAN, 2012).

O termo “Tecnologia Adaptativa” está ligado ao conceito de um conjunto de tecnologias desenvolvidas de forma gradual dos dispositivos mais simples aos mais complexos (quanto à sua capacidade de expressão), através de processos adaptativos de inserção, remoção e consulta de suas regras constituintes e de uso. Essas tecnologias constituem-se, assim, como softwares inteligentes. No caso do processo de ensino-aprendizagem, tomam, usualmente, a forma de plataformas inteligentes, podendo ou não fazer uso de estratégias de gamificação para propor variadas atividades aos seus usuários e, respeitando, obviamente, as diferentes etapas e fases tanto do processo de ensino, quanto de aprendizagem. Para tanto, levam em conta e colocam foco na busca por autonomia e personalização do processo cognitivo.  

Atualmente, algumas plataformas adaptativas voltadas para educação conhecidas são: Geek Games (em português), que adota a forma de um jogo com videoaulas, exercícios e simulados para preparação para o ENEM (com acesso gratuito e pago); Dreambox Learning (em inglês), que constitui-se na forma de uma plataforma adaptativa de matemática para o ensino fundamental, usando estratégias de gamificação; ScootPad (em inglês), uma plataforma adaptativa para estudantes do ensino fundamental focada no desenvolvimento de habilidades de leitura e matemática (planos gratuitos e pagos).   

A TA surge como uma possibilidade de ferramenta de ensino que pode ser adequada ao perfil sociocultural contemporâneo (BECHARA, 2009). Ela é considerada um modelo de sistema capaz de aplicar automodificações comportamentais, sem a interferência de agentes externos. Neste modelo, a adaptação do sistema acontece através do histórico de execuções de tarefas realizadas e informações obtidas através de dados de entrada, ou seja, ela utiliza o conhecimento adquirido através de experiencias anteriores para realizar novos trabalhos (como em uma IA, Inteligência Artificial. Assim, quanto mais complexos forem os eventos a que tal sistema for submetido e as entradas geradas, maior será sua evolução. Dessa forma, as TA usam regras variáveis dinâmicas, diferindo dos sistemas tradicionais, o que faz dela uma tecnologia capaz de cooperar nas mais diversas áreas do conhecimento através diversificados dispositivos midiáticos. Esta adaptabilidade a múltiplos formatos faz dela uma ferramenta pedagógica capaz de gerar maior engajamento potencial no aluno.

Segundo Oliveira (2017), as aplicações das TAs podem ser várias e envolvem diferentes áreas, tais como: arte computacional, jogos eletrônicos, comunicações digitais, processamento de linguagem natural, síntese de voz, reconhecimento de padrões, tomada de decisão, compiladores, metamodelagem, computação evolutiva, engenharia de software e robótica. É interessante evidenciar que através de certos modelos de aplicação de TAs, como hipertextos, digital storytelling, jogos eletrônicos e comunicações digitais, podem estimular vinculo social, através da sensação de pertencimento a uma história, um time ou uma comunidade em rede (JENKINS, 2007).

A aprendizagem através da ferramenta de TA investe no enfoque das necessidades e do nível de desempenho do aprendiz em relação à aquisição do conhecimento. Seu papel para a aprendizagem é promover um processo de ensino eficiente, através da abordagem pedagógica correta, de maneira tal que esta proporcione o conteúdo necessário para sua formação, auxiliando no desenvolvimento de um ambiente no qual o aluno, como sujeito ativo no processo de aprendizagem, possa reconhecer e ampliar suas próprias potencialidades de forma autônoma (SEIN-ECHALUCE, 2019).

Através dos pontos apresentados é possível concluir que o uso da TAs possui características capazes de auxiliar no atendimento de necessidades para a autodeterminação no processo de ensino-aprendizagem (DECI & RYAN, 2012), através do fortalecimento de usos alinhados com os paradigmas tecnoculturais contemporâneos. Porém, por ser apenas uma ferramenta de aprendizagem, ainda há a necessidade de uma maior produção de estudos científicos focados em abordagens pedagógicas para que o conteúdo inserido (input) e compartilhado (output) através das TAs possa ser avaliado com maior segurança, em relação à pretendida melhora no engajamento do estudante que as está utilizando. Esses estudos precisarão se deter um pouco mais sobre a compreensão do contexto social, cultural e pessoal dos aprendizes, seus processos de recepção, os processos de reendereçamento do conteúdo pelo docente (mediador), para enfim chegar a um quadro completo do impacto destes usos sobre os aspectos motivacionais (BECHARA, 2007).

REFERÊNCIAS

BECHARA, João José Bignetti. Revistando a Fundamentação Pedagógica dos Modelos Educacionais a Distância Mediados pela Tecnologia. Educaonline, v. 5, n. 7, 2007. Disponível em: <http://lta.poli.usp.br/lta/publicacoes/artigos/2007/jose-neto-2007-um-levantamento-da-evolucao-da-adaptatividade-e-da-tecnologia-adaptativa/view>. Acesso em: 3 jan. 2022.

BZUNECK, J. A.. A motivação do aluno: aspectos Introdutórios. In: BORUCHOVITCH, E.; BZUNECK, J. A. (Org.). A Motivação do aluno: Contribuições da Psicologia Contemporânea. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 09- 36

DECI, Edward L.; RYAN, Richard M. Self-Determination Theory. In: VAN LANGE, Paul; KRUGLANSKI, Arie; HIGGINS, E. (Eds.). Handbook of Theories of Social Psychology: Volume 1. 1 Oliver’s Yard,  55 City Road,  London    EC1Y 1SP  United Kingdom: SAGE Publications Ltd, 2012, p. 416–437. Disponível em: <http://sk.sagepub.com/reference/hdbk_socialpsychtheories1/n21.xml>. Acesso em: 8 jan. 2022.

LIU, Woon Chia; WANG, John Chee Keng; RYAN, Richard M. Understanding Motivation in Education: Theoretical and Practical Considerations. In: LIU, Woon Chia; WANG, John Chee Keng; RYAN, Richard M. (Orgs.). Building Autonomous Learners. Singapore: Springer Singapore, 2016, p. 1–7. Disponível em: <http://link.springer.com/10.1007/978-981-287-630-0_1>. Acesso em: 1 jan. 2022.

OLIVEIRA, Ian. O signo como processo adaptativo. In: WTA 2017. São Paulo: [s.n.], 2017. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/317342231_O_signo_como_processo_adaptativo>. Acesso em: 29 jan. 2021.

SANTOS, Flavio. processos cognitivos atencionais de adolescentes em conflito com a lei: foco e personalidade. ALFEPSI, v. 6, n. 17, p. 59–69, 2018. Disponível em: <https://integracion-academica.org/attachments/article/202/06%20Proceos%20cognitivos-%20FCarvalho%20ENkamura.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2022.

SEIN-ECHALUCE, María Luisa. Preface. In: SEIN-ECHALUCE, María Luisa. Book Innovative Trends in Flipped Teaching and Adaptive Learning. Hershey: Advances In Educational Technologies And Instructional Design, 2019. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/332497363_Preface_of_the_book_Innovative_Trends_in_Flipped_Teaching_and_Adaptive_Learning. Acesso em: 28 dez. 2021.

SILVA, Thayse De Oliveira. Os impactos sociais, cognitivos e afetivos sobre a geração de adolescentes conectados às tecnologias digitais. PEPSIC, v. 34, n. 103, p. 87–97, 2017. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v34n103/09.pdf>. Acesso em: 28 jan. 2022.

SCHRØDER, Kim Chistian. Making sense of audience discourses – Towards a multidimensional model of mass media reception. European Journal of Cultural Studies, v. 3, n. 2, p. 233–258, 2000

THOMPSON, Penny. The digital natives as learners: Technology use patterns and approaches to learning. Computers & Education, v. 65, p. 12–33, 2013. Disponível em: <https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0360131513000225>. Acesso em: 1 jan. 2022.


Nicole de Azevedo Bonavita – Graduada em licenciatura e bacharelado em Educação Física, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2019). Tecnóloga em Marketing, pela Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO) (2017). Membro do grupo de pesquisa Estudos de Linguagem, Imaginário e Tecnologias Exponenciais, da Organização Ciências e Cognição (OCC), coordenado pelo Prof. Dr. Glaucio Aranha (NUTES/UFRJ), onde desenvolve a pesquisa Storytelling, Yoga e audiovisual: o uso de narrativas na educação em saúde. Tem experiência na área de Educação Física, com ênfase em Educação Física, ensino e storytelling.